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DEIXAR EU FALAR


Deixa eu falar,
meu falar ainda planta verbos em jardins que nem conheço.
Permite que diariamente eu me amanheço
no ventre da esperança.
Por favor, deixe-me falar...
Meu falar já tem sua própria dor
Não me venha causar-me outra
Não me engane
Deixe-me enganar
Quando finjo em suas ideias acreditar
Enquanto sorrisos brancos dissimulam diante de mim
Eu vou dialogando com o meu ori
Dizem que minha luta é uma afronta 
Pensam que em minhas costas devem pisar
Deixe-me falar
Que nem tudo eu nasci para aceitar
Aceito a natureza com que os ventos sobram
Que o frio abraça
Que o calor afasta
Aceito o medo que vem
Mas não o medo que se provoca
Nem a frieza das respostas
Dadas ao que indago
Enquanto querem arrancar meu chão
Caminho sorrindo no vento
Não temo



Não sou especialista em nada
Mas aos que são
Eu peço, deixe-me falar
Esqueci como é me curvar
Renuncio
Este racismo em forma de cinismo 
Enquanto surgem de má fé
Dizendo que é assim que é:
Branco fingindo ser negro
Negro pensando que é branco
Enquadram o avanço
A futilidades de seus desejos
E eu humildemente almejo
Pensar sem sentir dor
Doer-me sem muito pensar
Deixe-me falar
Pois falando eu me encontro
Desencontro
Desmonto
Monto
Afronto


Querem fama e prestígio
Enquanto levamos os tiros e murros
Deixem-me falar
Por mais que não vejam os corpos
As lágrimas
Os gritos
Tão perto ocorre o genocídio
Eu mostro os dentes
Profetizando na alma o sorriso
Nem por isto
A realidade eu omito
Deixe-me falar
Falando
Sou um ser inofensivo
Em silêncio sou onça preta cuja cria foi roubada
Sou o que querem: negra e silenciada
Em nome de Deus
Ou do seu lattes
Ou dos seus trinta e tantos anos de experiência
Deixe-me falar
Falando
Eu fico obediente
A ética e a prudência
de que meu pensar afeta aos outros...
uns outros tão iguais a mim.


Juliana Costa 26/07/2016

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