NÃO NASCI BRASILEIRA



Não nasci Brasileira,
nasci Negra.
Com cabelos crespos rebelados
que nos conflitos diários
foram domados,
até que se livraram do ferro que alisava
mas jamais acariciou.

Não nasci,
fui concebida
a imagem e semelhança dos anônimos.
Nunca compreendi,
a indiferença;
os risos;
a violência
de quem queria me provar
que eu não era  bonita ou muito menos inteligente.

Nunca compreendi
porquê no espelho se ocultava a minha face?
porquê que eu pronunciava apenas o silêncio?
Acostumei em me sentir inferior.
Mesmo quando  eu sabia  a resposta da pergunta da professora,
jamais respondi.
tinha medo de errar...
e a todo momento eu sentia que errava
errava até o modo de respirar....

Não nasci Brasileira,
nem muito menos afro-brasileira.
Nasci  olhando para o branco
depois acostumando com tudo
virei devota do absurdo,
entendi que policial criminoso ensinava preto a ser surdo
e também cego
e também morto....

Não nasci Brasileira;
nem pesquisadora;
nem professora;
nem  Mulher.
Nasci.
E  desde cedo aprendi a sorrir sem mostrar os dentes;
a pedi desculpas sem ter pecado;
a temer sem saber bem o porquê .

Não nasci Brasileira
e nem cresci brasileiramente.
Minha nação
tem o chão pintado de preto,
de lágrimas e injustiças
Em todas as encruzilhadas
o demônio de terno e pele branca
brinca de intolerância.

Não nasci
sobrevivi.

Juliana Sankofa  19/10/2016



Imagem: Dinho Faber
*** fotografia tirada na performance do poema no evento Cosmovisão Africana 2016 em Juiz de Fora.



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