BALDE DE ÁGUA NO SILÊNCIO

O sol nascia silencioso e lá estava sentada na calçada uma mulher que gritava e o seu grito não incomodava ninguém, mas era assustadora a cena. A boca pronunciava o grito, mas ele não saía com a força que deveria sair. Os proprietários da loja já haviam feito um abaixo-assinado para que aquela mulher fosse tirada das ruas por incomodar a ordem. Se ela tinha o azar de sentar no meio-fio em frente de alguma boutique de clientela fina, logo o balde de água surgia para lhe afastar, porém para a decepção de quem jogava a água, a mulher continuava no mesmo lugar emitindo o grito sem som algum, as lágrimas eram vistas, qualquer um saberia distinguir o que era água do balde e o que era água de gente.
As ruas ficavam cada vez mais repletas de pessoas, na correria da vida ninguém se esquecia de esquivar daquela mulher que gritava, desviavam dela da mesma forma que evitavam os postes, as lixeiras e os buracos nas calçadas. Alguém comovido jogava algumas moedas no colo da mulher, mas era um poço sem desejos e sem ecos, as moedas rodopiavam da calçada até que outro morador de rua  sabendo da condição daquela mulher, esperto, recolhia  o dinheiro e assim  garantiu o café da manhã. Com o passar das horas o sol lançava suas chibatadas, a mulher continuava com o seu grito inativo, o corpo todo gritava, mas o grito não saía.  

Um vento soprava fazendo arrepiar as pessoas, todo mundo esperou a chuva, mas ela não apareceu. A noite surgia e a rua se tornava palco dos risonhos que estava a comemorar alguma coisa, os trabalhadores da noite montava suas barracas, cachorro quente e pipoca, para satisfazer quem terminava o dia ou quem iniciava mais um turno da vida. A Maria do Hambúrguer compadecida oferecia sempre um lanche para a mulher que gritava, mas um dia se cansou, pois o lanche ficava até o dia seguinte quando as formigas festivas tratavam de carregar o que podiam. Os garotos dos bairros nobres passavam e a chamavam de louca, os garotos do morro passavam e sorteavam entre eles quem casaria com aquela mulher e a zombaria era intensa. O silêncio desfilava na rua, a madrugada, a mulher e a lua sufocada pelas nuvens, o frio intenso surgiu do nada. O gritou congelou. No olhar se eternizou o sofrimento inaudível. No outro dia, o balde de água encontrou o corpo vazio.

Juliana Costa JF/MG 22/12/2017 


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