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Mostrando postagens de julho, 2018

NEGRAÇÕES

Não limparei as bibliotecas mofadas dos brancos  Não apontarei seus lápis, nem organizarei suas canetas  No papel branco desenharei flores negras cujos espinhos não são maiores que as pétalas Não ensinarei  teorias brandas  e muito menos brancas... Rabiscarei no quadro negro  o peso da mordaça histórica  que nos impuseram. Seleciono as palavras soterradas pelos silêncios Digo em voz mansa as desgraças que o privilégio dos  outros provocam em nós.  Não me peça para sorrir, Transforme água em vinho, mas não transforme seu medo em violência  Minha voz firme  faz tremer os seus pés. Não engulo o seu feminismo cheio de ondas  que só reconhece Iemanjá se for branca.  Juliana Sankofa 29/07/2018 Viçosa- MG 

MANDINGA NA LÍNGUA

O racismo é coisa da nossa cabeça? O chicote nunca foi transparente, sempre branco... aliás branquíssimo. E quando o erguem Querem que acreditemos que se tratar de buquê de Flores? Mas é preciso superar o passado cujas flores feriram as costas daqueles que a violência  transformou os  negros corpos  em objetos sem almas e irracionais. É preciso salgar esta nossa memória coletiva, Rir do racista que se acham dono da mandinga E recusar levantar a bandeira branca  nas nossas revoluções. Que democracia é esta que transformou genocídio em costume? A mandiga está na ponta da língua Que poesia! Os destroços dos sentidos de quem achou que nos colonizou. Juliana Costa 27/07/2018

A CASA SEM PAREDES BRANCAS

Quero um teto apenas meu E, por favor, que as paredes Não estejam pintadas de branco E que seja proibida a frase “O homem da casa” . A casa será o ventre gerando minhas esperanças fornecendo uma outra infância E quem bater a porta ao perguntar pela a senhora branca dona da casa apenas eu direi: "Está morta no sotão, quer deixar recado?" Soltarei risadas de menina travessa embora os anos tenham deixado cicatrizas nos olhos Dançarei, mesmo que seja sozinha ao som de Aretha Franklin Chamarei a liberdade para tomar uma taça de vinho comigo... enquanto a resistência também velhinha contempla sorridente tudo. O quintal será enorme Sem flores, apenas uma árvore da fruta que eu mais gosto. Será uma casa repleta de gatos e de livros De risadas e palavras A história brotará dos seus quatros cantos E quando eu morrer O velório será na sala de estar Com as portas abertas para a eternidade. E as lágrimas da saudade virão até mesmo de desconhecidos... Não deixarei herdeiros Sinto

JUIZ DE FORA EM LENTE PRETA

Um labirinto central de indiferença. Em cada esquina um esquecido da sociedade que troca o dia pela noite por que na luz do dia o mal se ameniza: Ao invés de surras recebe-se  os nãos e  um humano  “sai daqui seu vagabundo”. A loucura se aquece no frio do central labirinto... Na praça da estação é onde os sentimentos se encontram tudo em harmonia Ou é riso ou é cansaço. Nos trilhos é o minério que encontra a luz no fim do túnel, o aço rugindo interrompe a presa de quem faz do ferro um ponto de passagem. Os morros gigantes reduzidos pela geografia do poder Nessa cidade repleta de nomes de Santos os demônios são sutis. Há também anjos de pedra guardando a encruzilhada da cidade, um transeunte de pés dopados perpassa silencioso as marcas esportivas e de solas confortáveis. As esquinas  exalam a silenciada história,  Homens brancos se tornaram nomes de ruas A avenida cheia de ruídos Lembranças da tragédia ocorrida no dia anterior, a rua sempre foi a Santa C
A Maré não está para peixe Nem pra preto O anzol é o Estado A bala também. Que passado é este  que não deixa de ser passado para nós? 

AUTOSSABOTAGEM

É abafar o grito e forçar  um sorriso receptivo enquanto professa que somos todos iguais. É amarrar os próprios sonhos em uma âncora e lançá-los em profundo buraco. É ser visionário da desgraça Prever apenas os escombros do futuro e a dor É rasgar os próprios poemas, quebrar todos os lápis, queimar todas as folhas e explodir a caixa de energia de casa. Autossabotar É construir uma armadilha que captura apenas o interior É ter as próprias digitais no pescoço e ser a testemunha de acusação e o reú. É chorar e dizer que as lágrimas salgadas Não fazem arder as feridas É tropeçar no cadarço do sapato que não quis amarrar É entrar no rio sem saber nadar Ou se afogar mesmo sabendo. Sabotar é puxar o fio vermelho das ideias do inimigo. É escrever um poema Que mata, mas que não lhe suicida. Juliana Sankofa 12/07/2018

FLORESTA DE PARENTESCOS

                                                            Dedicado a minha prima Graça Floresta. O tempo enraizado nos cabelos que se recusam a se desbotar. As lágrimas estancadas na face Enquanto as lembranças     provocam lapsos de sorrisos. Saudade é o amor envelhecido É lembrar da chama mesmo vendo a vela apagada. É sentir o abraço quando os braços estão distantes É sorrir quando o motivo ficou no passado. É no tempo que descobrimos nossos parentescos a partir das veias das vidas e no encontro do olhar. Primamos palavras e gestos e o tempo nos reforça os sentidos somos sem dúvida uma floresta de parentescos. Juliana Costa 09/07/2018

UMA BELA MOCINHA

Meu bisavô branco capturou no laço minha bisavó- indía Meu bisavô negro e minha bisavó negra pouco eu sei. Só sei que quero destruídas todas as estátuas dos estupradores que fundaram esta pátria nada gentil. O meu problema é mais pele do que sangue, quero a cabeça daqueles que me fizeram esquecer a língua daqueles que me deixaram como herança apenas a cor. Parte da minha ancestralidade me pendura em árvores, duvidou da minha alma, violentou-me várias vezes Parte da sua ancestralidade perdeu os dentes, teve o cabelos arrancados ... A sociedade miscigenada fez da pele uma roleta russa cujo azar segue uma lógica branca. Meu sobrenome é uma ferida incurável, minha pele é  moeda que deformaram a coroa e que no jogo social tem a cara posta contra o chão. A base da minha ancestralidade é a vingança, Rasgos os livros das bibliotecas reais ou enveneno as pontas das páginas Cuspo nas xícaras de chás dos nossos "grandes pensadores" Finjo uma amnésia histórica, co

NOVA VIÇOSA

A memória caminha sorrindo, ferindo os pés nos paralelepípedos afiados das ruas... tropeça em galinhas, observa as rodas dos homens que não fixam os olhos em seu rebolar. Esquecidas as feridas das pedras, a poeira das ruas de terra não desgruda de toda a memória. Os risos brincam de pique-esconde com as dores Cães e gatos caminham paralelamente na mesma rota. Se o sol não brilhar no céu, brilha intensamente nos olhos De quem ver beleza até no dia cinzento de domingo. A memória percorre o bairro Proseia com a esperança Carrega no colo a alegria Descansa sentada na calçada Escuta o canto da rosa, Sente o cheiro-gosto do café ... continua a caminhar. Passos de quem não sabe para onde vai ... mas se move sem pressa, dançante... colhe as histórias. Enquanto isto ... A senhora mais velha do bairro Nunca compreendeu o porquê da memória nunca envelhecer, Ofereceu-lhe um copo de àgua Olhou os pés sujos e machucados e nos lábios o lindo sorriso faz contraponto. Pergunta-lhe o nome: Memória de