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UMA BELA MOCINHA

Meu bisavô branco capturou no laço minha bisavó- indía
Meu bisavô negro e minha bisavó negra pouco eu sei.
Só sei que quero destruídas todas as estátuas dos estupradores
que fundaram esta pátria nada gentil.
O meu problema é mais pele do que sangue,
quero a cabeça daqueles que me fizeram esquecer
a língua daqueles que me deixaram como herança apenas a cor.

Parte da minha ancestralidade me pendura em árvores,
duvidou da minha alma, violentou-me várias vezes
Parte da sua ancestralidade perdeu os dentes, teve o cabelos arrancados ...
A sociedade miscigenada fez da pele uma roleta russa
cujo azar segue uma lógica branca.

Meu sobrenome é uma ferida incurável,
minha pele é  moeda que deformaram a coroa
e que no jogo social
tem a cara posta contra o chão.

A base da minha ancestralidade é a vingança,
Rasgos os livros das bibliotecas reais ou
enveneno as pontas das páginas
Cuspo nas xícaras de chás dos nossos "grandes pensadores"
Finjo uma amnésia histórica,
comporto-me como uma boa mocinha
banho de mel a minha imagem,
para ser usada como exceção
do seu estereótipo "negra violenta".
Sou pacífica e delicada...
Amorosa sorrio diante das desgraças das sinhás,
da impotência dos sinhôs
e da loucura dos capitões do mato.


Juliana Costa 03/07/208

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