Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2017

MAL CRIAÇÃO POÉTICA

Deus no céu E eu aqui na terra, Aprende-se  Bem cedo,  Se não formos boas meninas  Deus castiga, Este que fez o homem a sua imagem e semelhança, Depois fez a mulher Dizem que a primeira se rebelou E do jardim foi expulsa... A segunda foi fruto de uma costela masculina Eu sou filha da primeira, Deixa um homem vir achar que eu sou Eva Quebro-lhe todas as costelas. Em nome da mãe, Da filha e  da alma delas. Juliana Costa 27/12/2017 JF/MG

BALDE DE ÁGUA NO SILÊNCIO

O sol nascia silencioso e lá estava sentada na calçada uma mulher que gritava e o seu grito não incomodava ninguém, mas era assustadora a cena. A boca pronunciava o grito, mas ele não saía com a força que deveria sair. Os proprietários da loja já haviam feito um abaixo-assinado para que aquela mulher fosse tirada das ruas por incomodar a ordem. Se ela tinha o azar de sentar no meio-fio em frente de alguma boutique de clientela fina, logo o balde de água surgia para lhe afastar, porém para a decepção de quem jogava a água, a mulher continuava no mesmo lugar emitindo o grito sem som algum, as lágrimas eram vistas, qualquer um saberia distinguir o que era água do balde e o que era água de gente. As ruas ficavam cada vez mais repletas de pessoas, na correria da vida ninguém se esquecia de esquivar daquela mulher que gritava, desviavam dela da mesma forma que evitavam os postes, as lixeiras e os buracos nas calçadas. Alguém comovido jogava algumas moedas no colo da mulher, mas era um poç

SERVIÇO DE BRANCO

Lembre-se que Iemanjá é preta. Estou cansada dessa amnésia que vive 365 dias por ano Pois quem pintou ela errada não fui eu... Isto é serviço de branco. De tão mal feito nem passa em branco. Juliana Costa JF/MG  24/12/2017

PERIGO PÚBLICO

Adentrei seus templos de saber não vi santidade alguma. Escrevi coisas pagãs que rompiam com a verdade estabelecida O que objetificaram agora lhe teoriza: Genocídio + epistemícídio igual a Zero. É o cálculo exato do seu desespero. Juliana Costa 22/12/2017 JF/MG 

VERSOS ENDIABRADOS

Distinguir o que é inferno e o que não é é  como separar  o trigo do joio, o branco racista do branco não racista. Quem dera se fosse como distinguir as pedras dos feijões, a água do óleo ... O inferno pode ser manso, sorridente e repleto de palavras bonitas O inferno pode se passar pelo paraíso É tudo tão relativo Posso ser o inferno dos outros se minha liberdade é golpeada ou se minha  mente for saqueada. Posso ser o Diabo Se minhas costas forem feridas Por eu recusar a curvar-me. Penso que ninguém deveria ser o inferno do outro, Por mais dinheiro que tenha, Por mais branco que seja, Por mais títulos que obtenha... Todo inferno provoca uma reação Na alma de quem o habita ou é forçado a habitar. Aprendi a encarar o inferno de frente, Sorrir e mandar beijos verdes. E quando o inferno quiser me devorar, Lasco logo uma rasteira Que o fará duvidar se é o inferno Ou se sou eu. Juliana Costa  JF/MG  16/12/2017 

O ESCUDO DA NÃO ESCUTA

Eu posso gritar meu grito não perfura  a brancura que entope os seus ouvidos. Quem sabe eu possa escrever mas seus olhos desviados, acusará de inteligível  aquilo que busco enunciar. Posso até  escrever em braille, mas o que adianta insistir  com quem protege os privilégios com grades: prisão em massa para pobres e negros, mansões com grades e alarmes para os brancos? Não adiantar, Entender envolve querer. O desconforto do meu sussurro  já lhe deixa horas sem dormir, imagina se me ouvirem completamente. A falta de escuta é um escudo. É preferível contar carneirinhos  antes de dormir  do que contar verdades  sobre esta barganha histórica  cujo cartão de acesso  é a pele. Juliana Costa JF/MG

MISTÉRIO PÚBLICO

Não compreendo esta sociedade controversa que não aceita controvérsias. Observo estes pactos de convivência em que o sorriso é a vela que oculta as verdadeiras  intenções Já percebi no congresso os homens ejaculam corrupção,  É com a mesma branca mão  Assinam muitos decretos  cujos interesses são secretos,  além de tudo ser público ser um mistério  mistério público é o dinheiro que é público e nunca é visto. Nesta terra cujo racismo mesmo quando se manifesta não existe, onde homem que bate também chora e que “ama” mata. Não tem como duvidar que mesmo sendo público Ainda acreditemos em mistérios. Juliana Costa 11/12/2017 JF/MG 

PONTO FRACO

                                                     Dedico a minha irmã- amiga Maria Inês de Souza Sei que quando me veem cheia de mim Logo tentam descobrir onde fica a engrenagem que me faz sempre prosseguir. Meu ponto fraco podem até descobrir, mas quando descoberto, deixa de ser vidro e se torna pedra. É difícil sim, Ouvir-me articulando palavras que diziam ser apenas suas É dolorido ver seu argumento ser desmascarado pela própria incoerência quando eu exerço as minhas ideias cheias de protagonismo A gente aprende a lutar com o mundo E depois com esta parte do mundo que invade a gente. Meu ponto fraco quebrado   corta os seus  pulsos Juliana Costa 08/12/2017  JF/MG

PASSADO É PASSADO

Bem antes de 1964, os ditadores chegaram em suas caravelas Não viram rei, fé ou lei. Em nome da salvação a violência imperou. Vê quantas tribos restaram? Juremos que estamos a  salvos! Ainda tem os corpos negros  que se transformaram em mercadoria era o capitalismo que emergia, enquanto povos inteiros  submergiam. Mercadoria boa se media pelos dentes, descartável neste mar que todo mundo já pulou ondinhas em gratidão  a  sua imagem e semelhança, Iemanjá, apenas ser for branca. Hoje  é impossível não se acostumar Quem dita Dita a dor E não é preto não,  senhor! Dizem que somos um só povo, Uns orgulham da mistura Esqueceram dos incontáveis estupros... “Passado é passado”  Ainda ouço os 111 disparos, as lágrimas de quem não encontrou Amarildo, aquele som gritante de  pele negra arrastada no asfalto e os corpos se afundando neste mar do esquecimento  Juliana Costa JF?MG 07/11/2017 

DIÁRIO DE BORDO

                                    Localização: Porão do navio. 12 de outubro de 2017 No marulhar das coisas E das palavras De pé Observávamos com sede, fome e sem ar as ocultações deste novo sistema de embarcação No jogo das imagens sem esperança de ver as margens e na emoção da contemplação de si Muitos se esqueceram de que havia um porão Onde nos colocaram O ar ia sumindo, Mas a memória não Juliana Sankofa João Pessoa/PB 14/10/2017 Exposição Ex- África  ( BH/2017)

QUASE IGUAIS

Chegou à beira do rio e se viu, assustou-se. Aquela imagem era ela mesma, entretanto aquela pele não era. Chorou de desespero. Despertou coração acelerado, que pesadelo era aquele? Levantou-se, descalça, foi até a cozinha tomar um copo dágua, preferiu tomá-lo com olhos fechados, traumatizada com o pesadelo, não queria ver a própria imagem refletida na água que iria beber. Retornou para cama, o cansaço do dia anterior foi superado pelo medo, ligou a televisão para distrair, quem sabe desmaiasse de modo que impedisse qualquer sonho ou pesadelo, queria desligar a mente. O sono fugiu correndo igual criança, a mulher começou a refletir sobre o que havia visto. Orou a Deus que os seus pais ensinaram-na a amar desde pequena, o terço no lado da cama foi solicitado, o salmo decorado era o modo de blindar a alma. O rosto que viu no reflexo no rio que atravessava seus sonhos ficou mais nítido na lembrança, chorou, não era um demônio, era uma mulher que não conhecia e que o seu corpo refletia n

MALDIÇÃO BRANCA DO 20 DE NOVEMBRO

     Meu corpo até arrepia de contar-lhes sobre isto, mas enfim, eu posso até morrer logo após este relato. Foi neste ano, o céu já amanheceu estranho, nem um pardal voava ou cantava, apenas aquela multidão de pássaros brancos, estilo pomba da paz, cobriam tudo. A Lalinha só pela manhã matou uns 20 que davam o ar da graça na janela de casa, eram todos iguais, não via beleza alguma neles, era medonhos, tinha olhares de certeza sobre tudo que sobrevoavam, parecia até a colonização, mas era e não era. Resolvi acender a vela para o Ori, proteção, meus lábios tamboreiavam algumas letras, no instante a passarada voava como se tivessem crianças- espíritos correndo atrás. O sossego veio, Lalinha já havia garantido a refeição do mês todo, bichinha estranha, lambia as patas de satisfação e implicava com aquilo que eu não via por ter acabado com a sua diversão. O céu continuava branco, até parecia o cérebro da sociedade, era assustador. Telefonemas, e-mails, textões na internet pessoas...

!!!!!!!!!!!!

A indignação é minha, não é sua diversão, nem funciona quando suas mãos brancas apertam o botão. É MINHA mas nunca quis a ter, Aprendi a ser mulher a carregando no colo, a danada nunca dormia. Juliana Costa 28/11/2017 

DEVORADOR DE BRANCOS

É necessário devorar, mesmo que não seja de primeira o que se come. mastigar devagarzinho, atentando-se pelas migalhas históricas que descuidadas caem da boca. Uma refeição sem nutrientes, Mas repletas de fibras simbólicas  que poderão mudar os rumos da história. Comerá para poder aprimorar a visão, Observar as sutilezas das  bestas coisas que vem triturando nos dentes crianças pretas. Enquanto come É preciso ignorar o nojo, Comê-los é impedir que nos coma. honrando  o dito popular: Não se arrota o que de fato se come. Juliana Costa 25/11/2017 

UMA PITADINHA DE LIRISMO NA TRISTEZA

A tristeza saqueia dos olhos o brilho e um pedaço da alma. Des-criança a infância Deixa decrépita a juventude Transforma em lápide a velhice... Sei que tristeza não são os versos que se espera ler em um poema... Não posso falar de flores se vejo o chão social infértil para elas. Não posso falar de esperança se a corda na forca jamais arrebentou para o lado mais fraco. Queria falar sobre sorrisos estes que mendigam tantas faces, como bem eu queria falar que o abraço ressuscita só se tiramos de nós os arames farpados. Quero falar de tristeza a senhora a qual não me curvo, mas que me enche com frequência de chibatas.

QUEM ENXUGA AS NOSSAS LÁGRIMAS?

                                                                     Dedicado a Fran Nascimento Quando brotam nossas lágrimas secam sozinhas... Simulam na pele a turbulência angustiante do mar do século XVI. Líquido que por nosso corpo é absorvido, enquanto o racismo segue absolvido de todos os seus crimes históricos. Opressor sem rosto não chora. Erguemos o punho, Com antebraço  secamos o suor, Secamos as lágrimas, a prova da dor, a inteligível e indizível indesejada dos brancos... O sono se torna prisioneiro eterno da insônia Pensamentos em pele, nada de flor. Sim, há o desejo a busca de um ombro sem cor para conter o incontido por trás das lágrimas. Sempre tem o vento Que sopra com força a minha face, Animando-me para a vida... mesmo que ela venha vestida de luta Varre minha face Como quem espera visitas Um sorriso talvez. Juliana Costa 19/11/2017 JF/MG 

ELAS E EU

Já me vi Helena, Penélope E até mesmo Antígona. Enquanto nunca se viram Nzinga, Dandara  E até mesmo Bertoleza.. Seria estranho se Helena se visse Nzinga ou Penélope se visse Dandara E quem sabe Antígona se visse Bertoleza? Talvez Helena tivesse mais sede de tróia Do que da convivência com Nzinga Ou Penélope mais a Ítaca Do que tecer com Dandara novas linhas E Antígona preferisse uma prosa com Bertoleza Ao invés de ambas  se tornassem o fim de uma tragédia. Enquanto penso nestas coisas vou tecendo sem desmanchar o que eu quero que o mundo entenda fios com sangue de Bertoleza... Juliana Costa 16/11/2017 JF/MG

EM BUSCA DE COISAS BONITAS

Queria dizer coisas bonitas, falar de cômodos da casa ou de amores  inúteis. Quem dera seu pudesse dizer do meu desassossego melancólico sobre tudo. Ah! Se eu pudesse escrever odes  ou sonetos... Sabe  que os meus semelhantes já foram encaixados em tudo: nas entrelinhas das grades e no des-lirismo do subemprego. Não faço poesia pra lamentar, pois poesia boa é aquela que geme sorrindo E que diz bem bonitinho: “Branco você tem sempre razão”. Juliana Costa  Belo Horizonte 10/11/2017 

MULHER NADA QUALQUER

Com tudo se pode fazer poesia, Entretanto não a faço falando de quartos ou salas de estar. Minha poesia é muito mais do que intimista, Intimida. Não escrevo sobre lábios íntimos, Nem faço poesia das coisas tristes que nunca falei A palavra me penetra, mas não emito gemidos Ou peço condolências. Minhas mãos estão calejadas, cansadas da luta pousam no papel. Escrevo por indisposição Em tolerar o seu racismo, E de fingir que não enxergo o cinismo escrito em letras oficiais. A poesia que escrevo é uma mulher  que envenena as sinhás enquanto degola os sinhôs. Ela não é qualquer mulher. Juliana Costa 01/11/2017

PAZ QUE PREVALECE

As palavras se contorcendo na garganta, No peito um vulcão de sensações. É preciso dizer palavras bonitas diante das coisas tristes para que as pessoas se vejam bem nos espelhos. As palavras se debatendo na garganta O silêncio reza da omissão Bandeiras ao alto para as falsas revoluções E as  palavras desmaiam na garganta Sensações inativas A paz  branca prevalece, Ave santa sobrevoa o sangue fresco da realidade  negra. Juliana Costa 26/10/2017    JF/MG

PRETO IDEAL

No tamanho que você quiser  e nos tons de escuro que preferir com as palavras do jeito que quiser, bastante sorridente  que não funciona diante do racismo e muito menos lhe aponta alguma incoerência Entregamos para todo o Brasil Nossa sede é o sistema  recebemos pedidos pela internet: www.pretoideal.com Aceitamos devolução, substituímos por um outro igualzinho. A versão feminina bem vestida e maquiada com batons discretos  e com aqueles cachos bem domados, para que o crespo não cutuque suas certezas  e nem espete suas ideias. Ah, sabe como são os produtos não se esqueça da validade. Juliana Costa 05/10/2017 JF/MG

UMA MULHER COMO EU

Talvez uma mulher como eu estivesse na cozinha do paraíso preparando quitutes e na hora de contar a história da criação o Senhor dela se esqueceu, relegou-a ao papel de rascunho de um texto santo que não soube continuar. Talvez nas narrativas nem tão santas de uma história mal contada Uma mulher como eu estivesse organizando os papéis limpando as penas servindo chás e que depois sorrindo dizia que era mulher também, mas as companheiras não ouviam, agradeciam os chás, as penas e os papéis e gentilmente pedia que quando terminassem de escrever que esta mulher como eu limpasse tudo para que o esposo não reclamasse. Uma mulher exatamente como eu sentada em um sala de aula onde o quadro negro era quase um semelhante. Atenta, ouvia as teorias sobre mulheres aprendendo que somos todas iguais enquanto milhares de fotos de mulheres brancas se projetavam na tela branca cuja escuridão era necessária para serem vistas. Juliana Sank