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NEGRAÇÕES


Não limparei as bibliotecas mofadas dos brancos 
Não apontarei seus lápis, nem organizarei suas canetas 
No papel branco desenharei flores negras
cujos espinhos não são maiores que as pétalas
Não ensinarei  teorias brandas 
e muito menos brancas...
Rabiscarei no quadro negro 
o peso da mordaça histórica 
que nos impuseram.
Seleciono as palavras soterradas pelos silêncios
Digo em voz mansa as desgraças que o privilégio
dos  outros
provocam em nós. 

Não me peça para sorrir,
Transforme água em vinho,
mas não transforme seu medo em violência 
Minha voz firme 
faz tremer os seus pés.
Não engulo o seu feminismo
cheio de ondas 
que só reconhece Iemanjá
se for branca. 

Juliana Sankofa

29/07/2018 Viçosa- MG 


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