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COISAS DA VÓ NOITE




Acho que minha morte será lenta, bem lenta, morrerei de pensamento. Tudo penso a respeito, tudo reflito as hipóteses, o porquê, o sentimento.... Morrerei de pensamento fulminante, e quem sabe tudo vire esquecimento - assim dizia Yamá, quando olhava a noite, a noite lembrava dos braços da avó, que faleceu há dois anos, por isto sempre naquele horário ia prosear com a vó em forma de noite, como fazia bem, o coração aliviava do dia, das pessoas que a magoaram .... sua voz intensificava o brilho das estrelas, quando uma raiva surgia... uma das estrelas explodia brilho e a brisa no rosto de Yamá dizia-lhe que era tempo de deixar a raiva e permiti as estrelas o brilho das palavras boas...
Aos 21 anos, Yamá amava pensar vivamente sobre as coisas, não pode estudar mais, parou no ensino médio.  A limpeza das casas de luxos era o que conseguiu, lá na casa da patroa não se podia pensar muito, tudo era feito como se as mãos que tirasse o pó não tivessem vida, não sentisse as mesmas necessidades humanas que a da patroa. Sempre queria que o serviço fosse feito de uma maneira detalhada, Yamá vivia agachada limpando os detalhes do rodapé.  Estava sempre curvada para limpeza de algum movél, parecia que queriam força-la, como estar assim fosse uma natureza. E ela sabia que não era, mas precisava do dinheiro para comprar o alimento e roupas.
 Os moços do bairro sempre quiseram namorar Yamá, aquele namora de lábios e corpos unidos, porém Yamá nunca sentiu-se bem em ser deles um momento, não sentia a necessidade de se realizar em outra pessoa. Sentia por isto desconectada de tudo, as vizinhas diziam que Yamá não gostava de homem e que dispensou o garoto mais bonito por quê amava garotas.  Yamá apenas despensou o porquê de ter de ser assim, queria amar quando fosse para acontecer, odiava este pacto secreto das pessoas.
Diariamente, enquanto o   sol   marcava as costas enquanto caminhava do trabalho para casa, Yamá observa as pessoas anônimas e perguntava-se porquê as pessoas escolhem quem e o quê enxergar, ela escolheu enxergar o máximo das coisas.... não sabe quando foi feita esta decisão, se foi quando viu o mundo pela primeira vez ou se foi em um outro momento. Yamá descolonizou seus próprios olhos, algo que muitos não faziam, talvez, esta jovem neta da noite, fosse um caso de anormalidade social e merecesse ser dissecada para se compor um poema ou um conto, ou melhor, para compor de fato esta vida.
Esta noite Yamá fazia com que as estrelas emitissem os mais diversos   brilho, quando decidiu conversa com a vó chamando-a na noite, a mãe assustou, acreditou que a vida enlouqueceu a filha, assim como foi feito com a Maria Doida da rua de baixo. Levou no dia seguinte a filha fosse atendida pelo psicólogo, nada se constatou, talvez, coisa de adolescência   ou qualquer outra coisa que não se pudesse ser passível a análise de qualquer doutor, sendo este médico ou não.
A patroa era professora universitária, quando Yamá disse queria estudar na Universidade também, igual os filhos da patroa, ela, para o bem estar da jovem, alegou que o lugar não seria bom para ela. Yamá sempre si perguntou, como ela poderia saber o que era bom para ela se nunca perguntou sobre os seus gostos e vontades. No dia de Hoje, Yamá  recebeu a notícia que havia sido aprovada para entrar no curso que queria,  ansiava esta noite para poder contar para a vó.
Quando chegou a noite, esqueceu-se do banho, pôs-se logo a prosear e disse dos sentimentos que só naquele momento pode verbalizar, fazendo do céu um enigma de brilho, luzes que ardiam fervorosamente sobre o que narrava Yamá, enquanto as outras pessoas, sentadas, observa o brilho da TV, do computador ... Uma senhora reclamou da noite estranha, mas sabe como são pessoas de certa idade, expressam-se como sábios e ninguém está a ouvi, como se a pele regada pelas vivências os fizesse descartáveis de atenção.
Yamá denunciou a Vó Noite tudo.... Esquecendo-se de contar da conquista do curso superior.... A mãe que a ouvia no quarto ao lado, colocou-se a rezar, entre as “Aves Maria” o pensamento lhe veio: - Yamá, está certa! Como não percebi isto antes? O terço foi para cima da cadeira, a mãe de Yamá ficou a ouvi-la, como se a ouvisse pela primeira vez. Yamá assegurou a Vó que nada lhe deixará menor, nem mesmo que comprovasse pela ciência que ela havia nascido para ser menor, desconhecia a sua natureza ligada com a pequenez. Gritou em fúria que a sua liberdade era seu direito, ordenou que a opressão não se disfarce de cortesias, pois ela sabia de tudo o que se passava, queriam convencê-la sobre o seu destino, ela não aceitava. Chorou diante da noite, um manto de brisa lhe abraçou.... Ficou em silêncio... lhe era necessário. Decretou-se como regente das próprias escolhas. Chorou.... seu coração disparava... disparos misturavam as batidas do peito, a polícia visitava o bairro, matou o Thiaguim que morava em frente, os traficantes se vestiram de justiça, metralhou o ar e a polícia revidou metralhou o ar, as casas e as pessoas.
A mãe de Yamá correu para pegar o filho mais novo do berço, foi recolhendo a filha do meio para a proteção. Yamá parou de pensar, uma chuva estranha caia da noite, como se alguém lamentasse, chuva e relâmpagos, a noite gritava.

                                                                     Juliana Costa

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