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TERESA QUE CHOROU ISABEL



    Sempre assim partida, sentindo a falta de algo, necessitando de uma fé que não me condene a inferioridade ou que me demonize devido a cor de minha pele. Sempre assim, movida por tambores ocultos e   criando resistência a submissão, sem saber o porquê, pois meu país vive a anulação dos indivíduos, meu país canta um hino de opressão, a ilusória canção  que me obriga, pela tradição, a levantar-me  e colocar as minhas mãos ao peito como se de fato me comovesse na cantoria feita por senhores.
    A   minha boca imputam-me o silêncio e a submissão cordial dos vencidos. E eu carrego na alma a ancestralidade rasgada de algum ventre, nas escolas eu aprendi a não ser e a não ter pensamentos, fizeram-me de uma única cor, aquela que eu não via ao olhar -me.
  Sensivelmente a sociedade doou-me  um pedação de terra nas margens dos centros urbanos,Isabel,nossa rainha,aboliu...é aboliu a ordem já decadente,proclamou  falsos direitos,estes que são proclamados a mais de 500 anos.E falando em Isabel,apresentou-lhes meu senhores, Isabel Bragança,negra de periféria,negra de condionada a viver marginalizada,mãe solteira,rejeitada por a ordem dos fragmentários.
  Ela,doce Isabel,quando jovem apaixonou-se por um destes típicos comerciantes de ilícitos,ele negro como a noite ilegalizada,não possuía sonhos,acreditava no momento,tudo tinha que ser no imediato,já que se sentia  sem perspectiva de um amanhã,sem nobreza de um ontem.Ele realmente a amava,um amor que vivenciou  a gravidez .Ele morreu quando a policia pacificamente entrou á tiros na comunidade Às 16 horas da tarde,de um dia  lindo e confortante.
   Ela quando soube chorou...quis morrer também.Quis matar,quis...mas não pode.Enterrou o morto,enterro o amor,abraçava a gravidez como uma escrava  que abraça seu bebê para que não fosse dela raptado.Nasceu Tereza,com semblante ancestral daquele que se foi a força.
   Isabel,começou a trabalhar das casas de famílias,para poder cuidar de si e da filha,outra  marginal família.Tereza alcançou seus 15 anos,Isabel quis fazer uma festa de rainha para a filha,juntos os amigos da comunidade e elaboraram um almoço no domingo a tarde,aniversário de Tereza.
      Todos estavam felicíssimos,havia música,havia risos,havia dignidade entre os vivenciavam a mesmas coisas...até que um som cotidiano ultrapassou o escudo da alegria de todos.Mais uma vez a policia subia o morro para pacificar.Houve confronto,confrontos,os donos do morro versus os donos da sociedade.Tiros...e mais tiros.Choro e mais choro.Todos da festa amedrontaram-se,e buscaram se proteger.
     Isabel estava abraçada com a filha a protegendo,porém,ao fim dos barulhos da paz,percebia,em seus braços um líquido quentíssimo a escorrer. Estremeceu...tateou...não acreditava em que via.O sangue de Tereza pintava o chão da onde ocorria a festa.Desesperou,pediu ajuda,a ambulância chegou tarde de mais,a policia foi acionada,registraram o ocorrido,bala perdida de bandido,só não se sabia de qual deles.
  Isabel chorou Tereza,Tereza morreu sorrindo.Isabel enlouqueceu,a sociedade não compreendeu.Eu chorei Isabel,apenas eu,enquanto a assistia chorando a filha em um canal de TV na hora do almoço.
                              
                                                            Juliana Costa  11 de Dezembro de 2013

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